As músicas de Zé Ramalho se encaixam perfeitamente com a ideia deste blog, portanto aqui vai uma interpretação para a música "Avôhai", e espero ter disposição para escrever sobre mais músicas deste artista.
Um velho cruza a soleira
De botas longas, de barbas longas
De ouro o brilho do seu colar
Na laje fria onde coarava
Sua camisa e seu alforje
De caçador
O personagem se lembra dos tempos que via seu avô se preparando para a caça, este que usava barbas longas, botas longas e um colar de ouro.
Oh meu velho e invisível
Avôhai
Oh meu velho e indivisível
Avôhai
Aqui o personagem lamenta pelo seu avô que faleceu (invisível) e que era muito querido (indivisível).
Neblina turva e brilhante
Em meu cérebro, coágulos de sol
Amanita matutina
E que transparente cortina
Ao meu redor
Numa manhã (matutina) o personagem se vê alucinando por efeito da ingestão de cogumelos aluciónenos (amanita). A neblina turva e brilhante que cortina ao seu redor e o sol desfocado parecendo coágulos são os efeitos da droga.
Se eu disser
Que é mei sabido
Você diz que é bem pior
E pior do que planeta
Quando perde o girassol
O personagem acredita que a droga o ajuda, mas seu avô não gostaria da ideia. Mas ruim mesmo, e ruim ao ponto de ser mais triste que um planeta sem vida é o que ele conta na próxima estrofe.
É o terço de brilhante
Nos dedos de minha avó
E nunca mais eu tive medo
Da porteira
Nem também da companheira
Que nunca dormia só
Ruim mesmo é ver sua avó rezando a morte do marido. A partir de então o personagem perde o medo da porteira (que pode ser algo que ele tinha medo) e também decide procurar uma companheira para si.
Avôhai!
Avôhai!
Avôhai!
O brejo cruza a poeira
De fato existe
Um tom mais leve
Na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos
Que amargam as pessoas
Que fitar
Este trecho retrata o lugar onde moravam: À beira de um brejo, uma terra seca e um povoado humilde de pele clara e bem magros.
Mas que bebem sua vida
Sua alma na altura que mandar
São os olhos, são as asas
Cabelos de avôhai
Mas que lutam pela sobrevivência e vivem, apesar de todo o esforço. Seu avô também viveu desta maneira.
Na pedra de turmalina
E no terreiro da usina
Eu me criei
Voava de madrugada
E na cratera condenada
Eu me calei
E se eu calei foi de tristeza
Você cala por calar
E calado vai ficando
Só fala quando eu mandar
A infância do personagem se passou naquela região da usina, e foi por ali também que seu avô faleceu (cratera condenada dá a ideia de túmulo). De tristeza ele se cala, e o finado se cala por estar morto, obviamente. O último verso traz a ideia de que o personagem ainda sente a presença do avô, seja por questão espiritual ou por questão psicológica, onde "quando eu mandar" seria o momento em que ele permitiria a manifestação do finado ou da projeção que seu cérebro cria do finado.
Rebuscando a consciência
Com medo de viajar
Até o meio da cabeça do cometa
Girando na carrapeta
No jogo de improvisar
Entrecortando
Eu sigo dentro a linha reta
Eu tenho a palavra certa
Pra doutor não reclamar
Depois de usar a droga, o personagem fica mal e, temendo a morte, vai parar num hospital, onde eles trabalham para voltá-lo à consciência. Ele então que já é experiente (diga-se velho) sabe bem o que dizer para que o médico não lhe dê aquele sermão todo.
Avôhai! Avôhai!
Avôhai! Avôhai!
Muito bem, esta foi a minha interpretação para a letra da música "Avôhai". Para quem achou a letra interessante, acho que este texto seria também uma leitura interessante, nele o próprio Zé Ramalho conta um pouco da composição da música, viagens aluciónenas, etc.
Letra: letras
Entenda a proposta lendo o primeiro post da coluna.
pika
ResponderExcluirdemais
ExcluirGostei de sua interpretação
ResponderExcluirAcho que o medo da porteira era o medo que ele tinha de fazer travessuras e o favor chegar repreendendo. Como o avô faleceu, ele não tinha mais medo de apanhar.
Verdade, era medo de atravessar a porteira depois de aprontar e saber que ia acertar as contas com o avô. Com a morte isso se foi...
ExcluirMuito bom. Obrigado
ResponderExcluirsó quem conhece bem o brejo do cruz -pb entende bem o que ze Ramalho canta nessa linda musica (obs: pedra de turmalina também é um lugar de brejo )
ResponderExcluirAmei seu comentário. Como é bom acharmos pessoas que sabem do que estamos falando. #salvePB
ExcluirSempre me chamou a atenção essa letra e a linda melodia...e a voz de Zé Ramalho é unica❤
ResponderExcluirExcelente explicação.
Parabéns.
Amo essa letra.Gostei bastante da sua interpretação.
ExcluirQuando ele fala que:
ResponderExcluir"E nunca mais eu tive medo
Da porteira
Nem também da companheira
Que nunca dormia só"
Acho que ele quis dizer que antes, quando avô era vivo, ele tinha medo tambem de sua avó (companheira), mas que com a morte do velho, ela ficou frágil e sensível, e não mais era dura com o Zé como antes era ao lado de seu companheiro.
"Rebuscando a consciência
ResponderExcluirCom medo de viajar"
Medo de morrer com o tamanho efeito das drogas e a quantidade que se usava